Você sente falta de um você que só algumas pessoas conhecem?
Uma carta a todos os cretinos e cretinas que tanto amo
Na trilha: Burst, que me joga diretamente e pra um passado bobo e igualmente divertido
Ultimamente tenho me sentindo meio apático, sem muito carisma, meio chato até. E sei lá se eu sou chato, às vezes sou e nunca me liguei, mas ultimamente tenho me sentido muito assim.
E essa sensação pode ter vários motivos: o mundo não anda fácil e diariamente nós somos impactados por informações sobre guerra, bilionários ficando ainda mais poderosos e influenciando em políticas pelo mundo, EUA sendo os EUA. Tem também o fato da minha mãe estar bem doente, da minha cachorrinha ter adoecido, dum coração partido que ainda irrita, da cabeça pregando peça com sonhos merdas com gente que não vale a pena.
Tô enrolando pra falar que ontem tive uma conversa com um amigo - que não via há muitos anos e que encontrei super sem querer na festa de outro amigo - que me emocionou demais e que talvez tenha tocado tanto justamente por eu estar nesse momento mais sensível.
Em determinando momento sobre as atualizações da vida e piadas de “como a idade nos fez bem pois estamos muito mais bonitos que aqueles bêbados magricela que éramos” eu perguntei: “porra Alessandro, por que a gente não se vê mais como se via ante? Porque é tão difícil reunir nossos antigos amigos pra rir, falar alto e discutir se o Sabbath criou o Doom?” E entre várias razões que foram desde o capitalismo que nos consome diariamente, até a distância geográfica que se criou com algumas pessoas, eu soltei um “eu sinto falta de me reunir com os meus. Com pessoas onde eu sou uma pessoa que só sou, com essas pessoas.”
Na hora eu vi os olhos desse meu amigo encher de água quase tão rápido quanto os meus. Nos abraçamos, falamos o quanto a gente se amava e como de fato, a gente se sentia meio desprotegido quando adentrávamos a mundos desconhecidos.
Eu sempre fui uma pessoa que me misturei em vários grupos. Desde a escola onde eu matava aula pra jogar bola com os garotos de 17, 18, sabidamente envolvidos com o crime da região e no dia seguinte sentava com os nerds pra falar de quadrinho e no final da aula ia pixar muro com os skatistas que me apresentaram o punk e o hardcore.
Hoje em dia eu sou o metaleiro que ouve rap, que ama carnaval, que aceita todos os convites de festas dos amigos viados por que a música, o clima e as pessoas são incríveis, que faz amizade com alguém em 1h de conversa num balcão de bar.
Se tem uma coisa que me orgulho é a capacidade que tenho de reunir pessoas de diversos grupos que frequento no mesmo lugar. Nos meus aniversários é comum você encontrar algum metaleiro doutor em filosofia usando uma camiseta de alguma banda obscura da Finlândia, conversando com alguma diretora de cinema, um ciclista e um publicitário meio engomado. Parece até piada: Um metaleiro, uma cineasta, um ciclista e um publicitário entram num bar.
Eu definitivamente sou essa pessoa que circula por vários ambientes e eu amo isso.
Mas eu sinto falta - muita falta - de um determinado grupo. Daquelas pessoas estranhas que falam sobre as estranhezas que tanto amo, de uma forma mais sofisticada ou mais burra que eu falo.
Gente que entende o paralelo de uma situação bisonha que vivi e que se pareceu muito com um episódio específico de uma série específica.
Gente que frequentava a 2+2=5, que faz piada com a sinewave, que usava o bunalti, que baixou Begotten numa qualidade horrível pra assistir de madrugada. Pessoas que me ensinaram sobre sociopolítica e luta de classe na mesma mesa de bar em que discutimos qual Corra que a polícia vem aí era melhor.
E eu definitivamente gosto dos vários Mários que sou em cada momento e grupo que a vida me pede. Acho que todo mundo muda a medida que entra e sai de um determinado grupo ou lugar.
Conheço gente que trabalha em ambientes extremamente sérios e que no fim de semana tá voando numa roda punk ou tá de lycra colorida pedalando a 45 km/h na rodovia.
Acho extremamente saudável você se permitir mudar, se adaptar e envolver em novos grupos, com novas pessoas, fazer novas conexões, desenvolver novos gostoso. Acho mesmo.
Mas confesso que existe um Mário bem específico, alguém que talvez volte a sentir à leveza de tempos mais simples do passado e que se solta e se diverti demais com essas pessoas específicas e que ultimamente eu mal tenho visto.
São pessoas que tem essa chave mestra e que acessam lugares da sua mente e do seu coração que só elas podem. Não sei, mas é como se elas construíssem espaços onde você se sente invencível, onde se sente mais ouvido, mais engraçado, mais amado, mais protegido.
Não existe comparação, não existe uma certa estética de poder ou de diferenciação através do material. É você rodeado de pessoas, cada uma com sua particularidade social, física, emocional.
E você pode se perguntar: “mas você sente falta dessas pessoas ou do Mário que existe com essas pessoas?”
Acho que um tá diretamente ligado ao outro, então eu sinto falta dos dois.
E não tô dizendo que esse Mário é o meu favorito. Se eu perder contato com os outros Mários que existe através de outras pessoas, eu também vou sentir falta.
que texto lindo bixo
Um tempo atrás eu tava muito empolgado em ver uma amiga da época do ensino médio e pensava comigo mesmo "ela estava lá naquela época", e agora lendo seu texto acho que entendi melhor o que eu estava sentindo de fato.
é um lance de ver alguém te conheceu antes do seu eu adulto (que tem barreiras, diferentes ferramentas sociais). Alguém que estava lá quando vocês estavam se construindo, ou simplesmente em um momento da vida que boa parte do seu atual círculo de amizade não chegou a conhecer. é bem doido isso, acho muito importante tentar ver essas pessoas.